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Pelas minhas viagens, de aqui e de ali vou-me perdendo com a certeza de que no fim da linha me encontrarei. Para quem gosta de aventuras e enigmas pode perder-se e encontrar-se por aqui
Como todas as minhas saídas, o meu primeiro DC Fashion Week teve as suas desventuras. Combinei chegar às 6.30 da tarde a um evento que começava às 6.00. Mas já se sabe como é, eventos, moda, modelos, é coisa para atrasar e meia-hora não faz diferença a menos que vás a trabalho.
Quando chamei o carro tive a surpresa de ter que esperar 8 minutos. Oito longos minutos que me alteravam os planos das 6.30, possivelmente para as 7. O carro que me levou à capital da nação era conduzido por Ramy. Um sotaque estranho, uma crença inabalável de que nós somos inimigos de nós próprios e uma certeza motivante de que vai ser bilionário.
Veterano de guerra, um MBA, um mestrado em gestão de negócios e outro a caminho em saúde, Ramy tem uma invenção que até eu usaria em desespero de causa depois de umas quantas horas de espera em lugares como aeroportos.
Não vou revelar a invenção. Ele até já comprou a patente, mas há sempre alguém mais esperto que nós e eu quero um dia estar num qualquer aeroporto e ao consumir o produto de Ramy dizer "eu conheço o bilionário que faz isto, levou-me ao meu primeiro DC Fashion Week".
Para Ramy karma é algo que explica por que motivo me atrasei, por que motivo não vale a pena conduzir mais rápido e que no fim tudo vai acabar bem. Fui obrigada a concordar. Deixou-me em frente ao lugar, onde a fila pedia perdão e o vento soprava vindo do norte num presságio de "vai-te embora". Fiquei, arrastei-me, congelei-me. Quando finalmente entrei ja a moda tinha parido o boi e estávamos todos contentes.
Tudo bem, eu vim mesmo só para me divertir.
Chego cheia de fome ao escritório e com ganas entrar no edifício esbarro na porta.
A voz por trás de mim explica nas suas vogais abertas: "Está fechada, não dá para entrar, a chave ficou lá dentro"
E continuava a limpar, descontraída e a fila a aumentar, mas nada a movia para uma solução.
Eu e os meus botões começámos a matutar:
"Como é que a empregada de limpeza tranca por dentro um edifício com pelo menos 5 empresas e diz que vai esperar que alguém desça, quando pode dar a volta e entrar pelas traseiras?"
Não entendo nada de arte.
Sei que gosto, sei das impressões, das sensações. Não entendo de perspectivas, da mesma forma que aprecio um bom vinho, mas não sei de que ano é a colheita ou as castas exactas.
Sei que gosto de música e é como se tivesse nascido a dançar, mas não sei que notas são, nem tão pouco acerto uma quando invento de cantarolar algo.
Sei que gosto de um rapper e eu não tenho ídolos, menos ainda heróis. Gosto das pessoas como elas são, sem as personificar num Hércules, num Ulisses, numa Afrodite ou numa Atena.
Custa-me especialmente escrever sobre o que admiro e rio cada vez que surpreendo alguém com gostos tão díspares e sui generis como eu ser fã do Tupac.
Parte-se do princípio de que todos os jovens negros gostam de rap! Talvez seja um lugar tão comum como outro qualquer. Mas apesar de negra ou half-qualquer-coisa, custa a muita gente entender por que motivo, eu, sim eu, gosto de Tupac.
"Não és revoltada", "Nunca viveste num gueto", "Não dás cavaco ao racismo", "Não dizes asneiras", "Não fazes asneiras"... e por aí fora. Uma série infindável de justificações que não justificam o meu amor pelo Tupac.
Primeiro, faz muito tempo que deixei de dar importância a justificações que expliquem seja o que for, no que aos meus gostos respeita. A própria existência é algo que ninguém consegue explicar e essa é sem dúvida a minha maior questão.
Segundo, um ouvido democrático nunca fez mal ninguém.
E este meu ouvido democrático de há 30 anos decidiu comemorar em grande esse marco que são os 30.
Fui até Nova Iorque e à la Americana programei a maior parte do fim-de-semana. Dias antes andei em pulgas, pela contagem decrescente em que tinha entrado, pelas pequenas coisas que tinha prometido fazer, pela ansiedade de reencontrar duas pessoas que fazem parte de metade da minha vida e com elas agendei os passeios quase todos, à excepção de um único: Holler If Ya Hear Me.
No último dia do fim-de-semana de comemoração passei duas horas, sozinha, dentro de uma sala de espectáculos, numa cidade em que tudo é impessoal e tudo é intenso, até uma viagem de metro.
Em plena Times Square, num dos muitos teatros no diâmetro do lugar onde todos os anos muitas centenas de turistas, senão milhares, vão ver a bola cair no fim do ano, está Holler If Ya Hear Me, um musical baseado no trabalho discográfico de Tupac Amaru Shakur, o chamado Shakespeare urbano dos nossos tempos, cuja vida foi muito curta e desproporcionalmente controversa.
Tupac nasceu no Harlem, bairro que conheci poucas horas antes de completar os 30 anos, morreu aos 25 anos, em Las Vegas, após ter sido baleado. Nessa altura eu era pouco mais do que uma menina, entendia tão pouco inglês como falo hoje italiano. Ele não era um exemplo, pelo menos não para mim. Tinha a atitude, era o tal revoltado e falava de uma realidade que estava longe de ser a minha. De assédios, desrespeito, drogas, desemprego, crime e morte, quantas vezes morte.
"I Ain't Mad at Cha" foi a primeira música e videocilpe que vi e ouvi.
Mas havia algo que me mantinha de alguma forma obcecada. Não de uma forma negativa, mas de uma forma impossível de explicar. Talvez tenha sido o meu mentor invisível.
Há precisamente um mês, sentei-me nesta sala sem expectativas, levando como companhia as memórias das primeiras VHS que vi com os seus videoclipes. Levava até a descrença de que algo feito pelo Tupac pudesse ser tão bem representado.
E esta sala, onde qualquer luz fora do cenário se notava por falta de sintonia, encheu-se com uma voz negra de um actor que não conheço, que ao descer do topo ao solo do palco apoderou-se dos meus sentidos e soltou as minhas lágrimas.
Conheci Nova Iorque, sim conheci Nova Iorque... os tais guetos em que não vivi e nunca vi. Entendi letras que não percebia tão bem, arrepiei-me com a capacidade de se pôr em palco um estilo de dança e de música como se faz com "qualquer" peça de Shakespeare. Surpreendi-me com a própria dança, eu que quando oiço Tupac apenas balanço a cabeça e, sim, bem sei que ele chegou a ser um breakdancer profissional.
Descobri que ele escrevia essencialmente sobre experiências que outros viviam e não sobre ele.
Absorvi cada detalhe do palco, do cenário e até do público - uma plateia tão heterogénea como o arco-íris. Lotada e diversificada, da idade ao género, do tom de pele às preferências sexuais. A cada apresentação, esta sala só pode ser um santuário, um lugar de culto para quem aqui chega e se deixa vencer por cada arrepio na espinha, praticamente inevitável.
Não entendo nada de arte, pouco ou nada de teatro, mas sei que quando uma peça nos faz chorar do início ao fim, que nos deixa com a certeza de que vale a pena voltar a ver e quando isso acontecer vamos ter outra percepção, vamos aprender mais qualquer coisa, sei que pouco importa o meu expertise inexistente, a peça é fenomenal.
Viajei para um tempo em que não vivi, um lugar que não conheci, entrei numa vida que se tivesse perdurado nunca teria cruzado com a minha. Lavei-me em lágrimas de emoção, envolvida nas vozes daqueles que como eu cresceram a ouvir um dos jovens mais complicados que o rap já conheceu.
Se eu pudesse mudar alguma coisa na peça, acrescentava-lhe 5 minutos para "Brenda's got a baby"
Querer é mais ou menos assim
num dia qualquer
viver tudo diferente
e nada perder
brincar na vida em tantas voltas
abraçar o mundo,
e em palavras soltas
gritar, sorrir, dançar… viver!
Antes, durante e depois dos 30!
Não tenho muito tempo.
Está frio aqui fora, mas o sol permanece, enganador e sedutor e eu como qualquer ser rendido ao seu charme desafiei-me e vim para o jardim.
Vim com o objectivo de iniciar alguns projectos. Finalmente decidi-me, mas essa é apenas a ponta do iceberg. Falta tanto, mas tanto!
Contudo, não há angústias. Este chilrear dá-me uma paz de espírito que desconhecia existir.
Claramente as preocupações mantêm-se e, agora, estão longe, o que preocupa mais.
Mas está frio e eu que estava apenas a dar uma olhadela àquela rede a que todos estamos agarrados, acabei adicionando alguém a quem tinha prometido fazê-lo há algum tempo.
Não conheço a senhora. Mas falei uma vez com ela, por questões profissionais. Comovi-me pela força, louvei-lhe a coragem.
E eu que estava aqui a aproveitar o sol, dei um saltinho a essa rede, adicionei a senhora em causa e ela agradeceu-me por eu fazer o meu trabalho.
Há uns dias parei para pensar no meu egoísmo, no meu ser feliz (sim, porque felicidade pode ser tanto e tão pouco que ter os dois só pode ser isso mesmo, certo?) e fiquei convencida de que estava a fazer pouco pelos outros. Falta-me fazer pelos outros.
O sorriso que ela roubou sem saber fez-me lembrar de uma frase que ouvi antes de sair: "Você acha que algum dia vai fazer a diferença?"
Bolas, vou! Fiz, faço! E o melhor? Com o meu trabalho.
Está frio e o sol... oh, já vai indo depois de aquecer o meu coração!
Primeiro estranha-se, depois entranha-se... ou melhor, aceita-se.
Confesso que a primeira reacção foi de estupefacção.
Não podia acreditar que à porta do Museu de Arte de Filadélfia está a estátua de uma figura que não passa de um personagem de cinema.
O Rocky dá as boas-vindas a quem vai visitar os Jardins do Oriente, Picasso ou uma colecção de surrealistas.
Às vezes, vi eu, os turistas nem chegam a entrar no museu. Limitam-se à fotografia com o Rocky e seguem caminho. Nem aproveitam para subir as escadas, tão longas assim, e fotografar o belo skyline que se desenha à entrada do museu.
Mas nem é isso que me preocupa. Preocupa-me o facto de que em muito pouco tempo serão muitos os que vão acreditar que o Rocky era um herói de Filadélfia e não um simples personagem de um filme protagonizado pelo Sylvester Stallone.
E não, não vi nenhuma estátua ao Bruce Springsteen. Estranho!
Dei por mim, hoje, depois de uma amiga me ter perguntado pelo blog, pela escrita, a questionar-me o mesmo.
A questionar-me sobre esta muxima. E esta muxima surgiu muito por causa de uma resposta que uma das minhas tias dizia sempre que eu queria algo: "Temos que fazer boa muxima na mamã, para ela te deixar ir".
Portanto, a boa muxima era sempre com a intenção de conseguir algo em troca.
Só anos mais tarde a muxima passou a significar para mim o seu significado à letra: coração.
Conseguir algo do meu coração, conseguir algo que o meu coração seja capaz de dar aos outros foi o ponto de partida.
No meu coração levo os sítios, trago as pessoas, guardo as experiências, sufoco as frustrações.
Ultimamente tem sido um lugar de sufoco, que obstrui o pensamento e não deixa fazer o simples: expressar-me.
Para (re)começar resolvi registar as tantas aventuras destas minhas viagens, realocando posts que apenas se ficaram pelo Facebook na altura em que de facto aconteceram.
É possível que este sítio se torne estranho, desorganizado, uma verdadeira secretaria de post-its, ou uma tarde de pastéis de feijão e conversas improvisadas.
Sem grandes promessas, talvez recupere aqui o canto aberto do meu coração. Vou fazer boa muxima, quem sabe consigo.
Se eu pudesse despedir-me de ti... dizer-te e responder-te e ouvir-te.
Saudades de te ouvir, hoje, ontem, amanhã, certamente todos os dias.
Não sabes, mas todos os dias penso em ti e nas nossas conversas, lembro-me de ti pelo copo de vinho que nunca partilhámos, ao tocar no cabelo que de todo temos semelhante. Olho para o meu andar e agradeço ter as pernas que herdei de ti. Um suposto defeito que desde sempre adorei, porque de facto era a única coisa que podia provar ser tua neta e tão cedo o percebi.
Não digo "coitado", porque "coitado é do quê?" Já tu me perguntavas, antes, quando perdias horas à conversa comigo.
Sinto saudades tuas desde bem antes de partires. Sim, deixaste-nos um bocado antes mas a tua alma de rainha nunca me vai abandonar, a tua presença de senhora, líder, fortaleza, mantém-se para quem soube apreciar o teu desfilar, o teu olhar, o teu toque.
Que me importa se nas palavras me perder e for incoerente, que me importa se tudo isto for tão baralhado e parecer estúpido? Nada, absolutamente nada.
Ainda esta manhã contei que foste a minha primeira fada do dente. Provavelmente a única. Ainda esta tarde lembrei o teu jardim.
Sabes? Os velhos só morrem assim porque sim, e porque são velhos, e que por isso não vale a pena chorar. É o que eles dizem.
Não me venham dizer que já era velhinha e que foi melhor assim, porque eu sei que foi melhor assim. Mas ser melhor assim não implica deixar de sentir, não implica reter cada lágrima pelo amor que um dia esbanjaste porque eu era a tua Tchissanda.
Esquecer que corrias todos os dias para garantir que a mim não aconteceria nada, que a bebé que vias hoje seria a mesma amanhã, seria a mesma hoje? Impossível. Garantiste, pelo teu próprio esforço que eu estaria aqui e desculpa se não sou melhor do que sonhaste.
Guardavas um lugar na tua cama, sob o teu mosquiteiro. Guardavas um pouco do teu prato, porque a teimosia levava-me a comer o que só tu comias, mesmo depois de dizeres "o teu pai não ia gostar de saber que comes peixe seco com as mãos". Ainda tão nova, nem com seis anos respondia-te "não vai saber!"
Fumavas... e então? Então eu não percebia como colocavas a ponta da chama do cigarro dentro da boca e continuavas a contar-me histórias.
Entravas na sala a dançar graciosamente, mexendo a anca tão devagar e o pé tão depressa que nunca fui capaz de te imitar.
Tinhas a pele negra mais brilhante que eu já vi e o cabelo branco e fofo como ainda não encontrei igual.
Estranhamente, com toda a minha formalidade e salamaleques que tão bem apreciavas nunca me trataste com deferência. Apenas chamavas "Tchissanda".
Envergovanhavas-me quando perguntavas pelo negócio, a mim e às minhas amigas e depois adoçavas a nossa tarde com os doces que mais ninguém sabe fazer.
Ensinaste-me que há diferenças entre olhar e apreciar. E tu apreciavas cada detalhe e quando gostavas respondias em francês e não era um "oh la la". Do "enchanté" para cima, fazias tudo parecer mais rico.
Adorava quando me chamavas chata, sempre que eu chegava e sufocava o teu corpo pequeno, cheirando a vicks, porque lá tinhas na ideia que curava tudo, com abraços, e rias-te porque te abanava para não sentires frio.
Sabes, é fácil largar quando não se teve uma companheira como tu.
De todas as conversas, das promessas que trocámos, dos pedidos que fizemos, fica hoje a lágrima de não termos feito algumas coisas, mas lá dizem os entendidos, que nem tudo se pode cumprir. Aceito, desde que não me impeçam de chorar.
Já tenho saudades tuas...daqui até à Lua!
As conversas no cabeleireiro têm sempre muita piada, especialmente se não me dizem respeito e eu for uma ouvinte passiva.
Claro está, que quando se é novidade o assunto somos nós e mais ninguém quer saber da Kardashian que vai casar em Versailles ou da vizinha cujo filho comprou um BMW, etc etc.
Ao passar-me de uma cadeira para a outra, ela, com riso de espanto, que praticamente lhe cerra os olhos ja por si cerrados, diz-me apalpando-me as costas:
"You're so tiny, so little... oh my God!"
Estamos a falar de uma vietnamita exactamente do meu tamanho, mas tudo bem.
"You must weight like 80 pounds!"
Ah ta, claro. Já agora não saio de casa quando faz vento.
Mas desta vez respondi:
"One hundred"
E ela:
"No, I don't think so"
Para baralhar as ideias respondo-lhe:
"I have good bones!"
Calou-se. Mudou de assunto. Mas não me pareceu satisfeita.
Ela, que ja anda nisto de meter conversa sobre a vida dos outros há mais tempo que eu, não vai de modas e remata (chuta mesmo sem piedade):
"If you marry an American you'd stay?"
(No resto a expressão de que tinha ganho a batalha)
Oh boy.., this is too much. Ja não basta chamar-me little room agora quer saber se eu tenho "room for someone else"?!
#DaysInDC : ) stopped counting : )
Não vou entrar em detalhes, mas imaginem-me a dizer, de mão direita levantada, "I, Mayra Fernandes, solemnly swear (...) to protect from all enemies, foreign and domestic (...) So help me God"
Enquanto dizia a frase, a grande questão era: isto não devia dar-me direito ao green card, nacionalidade directa, algo mesmo bom? !
No final, a olhar para a minha cara de espanto, ela diz-me: "we get a little emotional right?"
Ao que respondo: "Just like in the movies!"
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