O dia de hoje começou ontem.
Uma mensagem às 21h trazia a má notícia, uma chamada às 22h confirmava-a e outra mensagem às 23h corroborava.
A mesma notícia, três vezes chegou.
Fui dormir pensando nos que perdemos, na tristeza que isso nos traz.
Acordei cansada. Repetem-se os sintomas, manhã após manhã. Já não bastam os escapes. Preciso das fugas.
Chego ao escritório e chateio-me.
Chego à formação e chateio-me mais.
Os motivos são sempre os mesmos, mas acho interessante a capacidade com que as pessoas nos colocam na posição de carrascos, abstendo-se de todas as suas responsabilidades.
Terminada a formação esperei o motorista numa das ruas que mais me seduz em termos de movimentação popular.
São carros a passar, devagar, devagarinho, parados; são kitandeiras, zungueiras e zungueiros, fiscais, polícias, ardinas, jornalistas, fotógrafos, transeuntes cujas profissões desconheço; é gente que dá vida à cidade.
Não há dia, portanto, que não me encante por 5 minutos no mínimo com o reboliço da rua Rainha Ginga.
"Mana, sapato", chama um de um lado, "fiu fius", que é como quem diz assobios, daqui e dali, olhares lascivos para as mulheres que passam elegantes, já maduras.
Corridas das zungueiras que avistam os fiscais já na esquina.
Mais ao fundo, lá no cruzamento, tudo parado, sirenes iam zunindo e o trânsito tão assustador quanto nos outros dias.
Já fora daquela porta, mas ainda na Ginga o telefone toca: "há uma manifestação" oiço do outro lado.
"Há PIR" (polícia de intervenção rápida).
Vinham da Maianga a caminho da cidade Alta. Ex-combatentes da UGP, mas não sei se conseguiram chegar a algum lugar.
Apesar da agitação normal, nem por isso havia o pânico, apenas a constatação do descontentamento. Afinal... Elas vêm aí.
Antes que me perca na imensidão das gentes
que o som abafe o meu ser
que a azáfama que aí vem me enfrente
Antes que a vida comande o sonho
e o sonho se esconda na duna
e as palavras se destruam na mente
lanço o repto divinal
agarro as forças uma a uma
e tiro o mundo do banal!