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Rainha da Úngria, Março 1922 - Janeiro 2014

por baía azul, em 17.01.14

Se eu pudesse despedir-me de ti... dizer-te e responder-te e ouvir-te.

Saudades de te ouvir, hoje, ontem, amanhã, certamente todos os dias.

Não sabes, mas todos os dias penso em ti e nas nossas conversas, lembro-me de ti pelo copo de vinho que nunca partilhámos, ao tocar no cabelo que de todo temos semelhante. Olho para o meu andar e agradeço ter as pernas que herdei de ti. Um suposto defeito que desde sempre adorei, porque de facto era a única coisa que podia provar ser tua neta e tão cedo o percebi.

Não digo "coitado", porque "coitado é do quê?" Já tu me perguntavas, antes, quando perdias horas à conversa comigo.

Sinto saudades tuas desde bem antes de partires. Sim, deixaste-nos um bocado antes mas a tua alma de rainha nunca me vai abandonar, a tua presença de senhora, líder, fortaleza, mantém-se para quem soube apreciar o teu desfilar, o teu olhar, o teu toque.

Que me importa se nas palavras me perder e for incoerente, que me importa se tudo isto for tão baralhado e parecer estúpido? Nada, absolutamente nada.

Ainda esta manhã contei que foste a minha primeira fada do dente. Provavelmente a única. Ainda esta tarde lembrei o teu jardim.

Sabes? Os velhos só morrem assim porque sim, e porque são velhos, e que por isso não vale a pena chorar. É o que eles dizem.  

Não me venham dizer que já era velhinha e que foi melhor assim, porque eu sei que foi melhor assim. Mas ser melhor assim não implica deixar de sentir, não implica reter cada lágrima pelo amor que um dia esbanjaste porque eu era a tua Tchissanda.

Esquecer que corrias todos os dias para garantir que a mim não aconteceria nada, que a bebé que vias hoje seria a mesma amanhã, seria a mesma hoje? Impossível. Garantiste, pelo teu próprio esforço que eu estaria aqui e desculpa se não sou melhor do que sonhaste.

Guardavas um lugar na tua cama, sob o teu mosquiteiro. Guardavas um pouco do teu prato, porque a teimosia levava-me a comer o que só tu comias, mesmo depois de dizeres "o teu pai não ia gostar de saber que comes peixe seco com as mãos". Ainda tão nova, nem com seis anos respondia-te "não vai saber!" 

Fumavas... e então? Então eu não percebia como colocavas a ponta da chama do cigarro dentro da boca e continuavas a contar-me histórias.

Entravas na sala a dançar graciosamente, mexendo a anca tão devagar e o pé tão depressa que nunca fui capaz de te imitar.

Tinhas a pele negra mais brilhante que eu já vi e o cabelo branco e fofo como ainda não encontrei igual. 

Estranhamente, com toda a minha formalidade e salamaleques que tão bem apreciavas nunca me trataste com deferência. Apenas chamavas "Tchissanda".

Envergovanhavas-me quando perguntavas pelo negócio, a mim e às minhas amigas e depois adoçavas a nossa tarde com os doces que mais ninguém sabe fazer.

Ensinaste-me que há diferenças entre olhar e apreciar. E tu apreciavas cada detalhe e quando gostavas respondias em francês e não era um "oh la la". Do "enchanté" para cima, fazias tudo parecer mais rico.

Adorava quando me chamavas chata, sempre que eu chegava e sufocava o teu corpo pequeno, cheirando a vicks, porque lá tinhas na ideia que curava tudo, com abraços, e rias-te porque te abanava para não sentires frio. 

Sabes, é fácil largar quando não se teve uma companheira como tu. 

De todas as conversas, das promessas que trocámos, dos pedidos que fizemos, fica hoje a lágrima de não termos feito algumas coisas, mas lá dizem os entendidos, que nem tudo se pode cumprir. Aceito, desde que não me impeçam de chorar.

Já tenho saudades tuas...daqui até à Lua!

 

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publicado às 03:59


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