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Pelas minhas viagens, de aqui e de ali vou-me perdendo com a certeza de que no fim da linha me encontrarei. Para quem gosta de aventuras e enigmas pode perder-se e encontrar-se por aqui
Chego cheia de fome ao escritório e com ganas entrar no edifício esbarro na porta.
A voz por trás de mim explica nas suas vogais abertas: "Está fechada, não dá para entrar, a chave ficou lá dentro"
E continuava a limpar, descontraída e a fila a aumentar, mas nada a movia para uma solução.
Eu e os meus botões começámos a matutar:
"Como é que a empregada de limpeza tranca por dentro um edifício com pelo menos 5 empresas e diz que vai esperar que alguém desça, quando pode dar a volta e entrar pelas traseiras?"
Desde que estou em Luanda, posso contar com todo o tipo de aventuras durante as viagens.
Já me aconteceu de tudo, de perder voos a deixar as malas no aeroporto, por não conseguir fazê-las embarcar ou mesmo ter discussões tolas à volta da "gasosa"!
Fora das viagens também já tive as minhas experiências. Muitas retratadas na famosa rede social Facebook.
Mas esta última não podia ficar num qualquer lugar difícil de encontrar, muito menos na memória, cada vez menos de fiar.
Começa mais ou menos comigo a tentar ser organizada e a comprar um bilhete de avião para Benguela com uma semana de antecedência.
Foram 24 mil kwanzas (240usd americanos, ao câmbio da kinguila) que custaram a sair do bolso, literalmente, entregues à canceladora Fly540 (companhia aérea).
Mas com bilhete na mão comprado, para sexta-feira, sem a possibilidade de viajar noutro qualquer dia seguinte, de repente vejo-me dentro de um cargueiro militar, na minha toillette desportiva, com malas (casual chic) a combinar. Nada podia ser mais contraditório e fora de contexto.
"Vem vem moça, vê só, cheia de não me toques! Vais perder! Lhe deixa!"
O mixeiro gritava e ignorava a minha razão de desconfiança, mas nem era ele quem me ia ajudar, era outro que já estava a entrar no carro para eu poder confiar no condutor.
A aventura começa um pouco antes, antes de me enfiarem num Toyota Starlet, azul escuro, vidros fumados e um indivíduo que nos tirava do aeroporto doméstico a caminho da base militar.
Chego ao aeroporto e bem antes de entrar para o check-in já alguém se dirigia a mim: "o voo foi cancelado".
Ou o fulano era adivinho ou estava encomendado, porque de facto a informação estava a ser dada à pessoa certa.
Corro para a loja da companhia do outro lado da estrada, cheira a tudo e mais alguma coisa numa rua de negociatas e "bisneiros", movimentada de gente e sons que me confundiam os sentidos.
Depois do reembolso na loja da companhia aérea, o fulano que me havia abordado no aeroporto não só me pede o dinheiro como o bilhete de identidade. Corre em direcção a um Starlet, "apenas" com o meu BI e grita:
"Entra moça." Orientou-me como se fosse natural pegar boleia sem destino, cheio de homens desconhecidos... num Starlet, atenção, num Starlet de vidros fumados.
Disse-lhe rapidamente que não entrava. Olhei para o carro com algum repúdio.
"Vem vem moça, vê só, cheia de não me toques! Vais perder! Lhe deixa!", gritava outro, a pensar no próximo cliente.
Confesso que entrei no carro com os medos a que tinha direito e com a parvoíce que me é característica.
Luanda, sexta-feira à tarde, uma cidade perfeitamente calma, sem situações inomináveis a registar, porque não entrar no primeiro Starlet que me aparece à frente e rumar sem saber o destino do condutor, mas com a certeza de que chegaria a Benguela? Pois, não há espaço para dúvidas.
Havia mais um passageiro. Bem menos preocupado que eu e que claramente contribuiu para a minha decisão de entrar no carro, a caminho da base militar.
Dentro do carro o assunto roçava algum moralismo e desilusão com a cidade de Luanda.
"Esta cidade não dá, não há amor ao próximo".
Eu queria rir-me com tamanha compaixão. Ele está a fazer o "processo", mas até na máfia há algum respeito, ética, certo?
O pão que chega para todos
Ao chegar à base somos entregues ao primeiro elemento, a quem o condutor do Starlet tem que pagar.
Depois somos entregues a uma segunda peça, que também tem que receber a sua parte. Essa segunda peça passa a um terceiro que pergunta de imediato pela sua parte.
De seguida somos enfileirados, ao bom estilo militar em direcção ao avião, pilotado por um russo que tem na cabine pelo menos 3 embalagens de Nesquik, um pó de chocolate para o leite que eu não via há anos.
E como é que sei isso? Porque como diria alguém muito próximo: "não se cancela o voo a alguém que sai nas revistas".
Piadas à parte, depois de esperar perto de uma hora que o avião militar estivesse operacional, consigo, através de contactos pessoais, sair caixa de carga, onde seguia já com algumas amizades feitas, uma carrinha género Mitsubishi L200, perto de uma centena de pessoas e muitas vigas metálicas, para a cabine de quem comanda o bicho barulhento que solucionou o meu problema.
A aventura com destino à Catumbela e sérias intenções de chegar a Benguela ao aniversário de 50 anos da tia, tinha tudo para correr mal.
Durante a viagem não pude deixar de reparar na frieza militar e ao mesmo tempo na sua desorganização organizada.
Onde fiquei sentada não pude ver mais do que uma bacia com água suja de sabão e um senhor com cerca de 1,80 e muitos quilos, mas muitos mesmo em cima, que adormeceu feito bela adormecida, quase direito, sem se sentir afectado por um único solavanco do Hill que nos levava.
No processo destas boleias muita gente ganha. Os mixeiros do aeroporto são uns brincalhões de primeira e aparentemente pessoas de respeito e confiança. Só é preciso aumentarmos o nosso nível de tolerância no pagamento da mixa.
Não vou falar de valores exactos, nem tão pouco das patentes envolvidas. Prefiro. Mas façam as continhas. No processo estão entre 4 a 5 elementos envolvidos, se eles puserem cerca de 10 pessoas por dia num avião destes poderão lucrar 30 a 40 mil kwanzas por viagem (300/400usd americanos). É um pão garantido.
Vou apenas partilhar o inédito, sem comentários e um dia destes analisar ao detalhe cada linha... mas só depois de ler Utopia
O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, concedeu uma entrevista ao jornalista português Henrique Cymerman, na qual vieram à conversa temas como a guerra e os anos de paz, o crescimento económico e os investimentos públicos no país, a luta contra a corrupção, as desigualdades sociais, as relações com Portugal, Israel, Brasil e China, os investimentos angolanos no país luso.
Nesta transcrição ficam algumas citações da entrevista desta quinta-feira, 6 de Junho.
Relações com Brasil
Estendem-se a várias áreas de actividade. Temos uma relação de grande amizade. Existem empresas como a Odebrecht que participaram na reconstrução do país.
Relações com Portugal
Não vivemos de padrões do passado. Há muitos problemas mas são localizados em certos círculos da vida portuguesa, que têm algum saudosismo. São relações que se desenvolvem também em quase todas as áreas de actividade. É um dos países que mais investe em Angola. Os portugueses conhecem bem Angola e por conseguinte estão numa posição mais privilegiada.
Os jovens (que saem da Europa devido à crise) são bem-vindos. Temos falta de pessoas qualificadas.
China
A China ajudou-nos com financiamentos (linhas de crédito) bastante razoáveis.
As contruções são de boa qualidade. São empresas que trabalham muito depressa como se vê com a cidade que foi construída há três anos.
Desafios mais importantes
Continuam a ser a formação de pessoal qualificado; manter a estabilidade política, macro-económica; criar as condições para o crescimento económico. Manter os índices circulares de crescimento e a boa gestão das nossas empresas.
Elites vs Maioria população
É um problema que não é só de Angola, mas preocupa-me. A política do nosso partido é combater as assimetrias. Temos um problema sério, uma herança pesada, ainda do tempo colonial, que é o subdesenvolvimento - preocupa-nos que os índices de pobreza ainda sejam elevados, 35,36%.
Corrupção
Não sei se algum dia vamos ultrapassar esse fenómeno. É dos mais antigos no mundo.
É evidente que o esforço dos governos devem estar orientados para a redução desse fenómeno.
Melhoria da actualização das remunerações públicas é uma das medidas.
Instabilidade Social
O Governo está sempre preocupado com a estabilidade social. Saúde, saneamento, educação são prioridades.
Realizamos programas de assistência a jovens em risco.
Há pequenos grupos de jovens a realizar manifestações, jovens com certas frustrações, não tiveram sucesso durante a sua vida escolar/ académica, não conseguiram uma boa inserção no mundo do emprego, mas são fenómenos muito localizados. O Governo está atento a essas situações e trabalha com associações pelo Homem e pelo seu bem-estar.
Primavera Árabe
Eles tentaram, mas não pegou… porque há uma acção positiva do Governo no sentido de melhorar as condições dos cidadãos. Logo depois da Tunísia, da Líbia, tentaram aqui também incitar os jovens a realizar as manifestações, através das redes sociais.
A maioria da população entende que há essa vontade dos governantes para trabalhar pelo bem comum.
Cicratizes da guerra
Angola era um dos países mais minados do mundo, quando terminou a guerra de 2002. Comparava-se ao Cambodja. Desenhámos um programa de desminagem, que sem esse programa não teria sido possível reabilitar mais de dois mil quilómetros de linha ferroviária.
O primeiro orçamento do programa de desminagem era na ordem de 100 milhões de dólares.
Hoje temos zonas desminadas em que se pode desenvolver agricultura, as zonas em que passa o transporte da energia eléctrica e outras zonas que estão sinalizadas para proteger as populações.
Transição 22 anos depois no poder
É humano que assim seja. A primeira manobra é encontrar alguém dentro do meu partido que me substitua.
E depois da Presidência
Não pensei no que vou fazer depois de deixar de ser presidente. Talvez escreva as minhas memórias
Tenho uma fundação, Eduardo dos Santos, que tem uma área social importante. Posso trabalhar em várias áreas.
Regime Angolano
Somos uma democracia, um regime baseado no pluralismo, uma economia mista.
O MPLA é um partido de Esquerda, Centro-Esquerda, somos uma democracia de carácter social, sem desigualdades.
O que procuramos é a redistribuição equilibrada da riqueza, com o objectivo último de estabelecer uma sociedade sem pobres.
Um Estadista que admire
É um mundo muito confuso, é difícil encontrar modelos, mas talvez o Lula, do Brasil, seja o Estadista que admiro, porque trabalha por uma sociedade inclusiva.
Um sonho
Ter uma sociedade inclusiva. Esse é o meu grande sonho.
Na memória do povo
Gostaria de ser recordado como um bom Patriota
@SAPO
Bastava um minuto
e tudo num minuto girava
tudo em busca de um sorriso
um rasgar que tanto ansiava
Bastava um gesto perdido
que resultasse em belo sorriso
e em mim a força ganhava
e um ser anárquico mandava
Bastava só assim
um som bater suave
um sorriso de mim
um sol, um dó uma clave
Há um barulho que me incomoda
Vários aliás, mas este é como aquele tic tac que nos absorve e nos faz lutar com o nosso sono. É como aquela voz que insiste em dizer "não vás por aí"!
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Todos os dias o pensamento que esta cidade me provoca é o de que basta. Não querer mais, não ser capaz de mais, nem do que vem de cá nem do que vem de outro canto qualquer.
E a verdade é que não são lamúrias. São constatações... contemplações!
Talvez um dia resultem em conclusões.
Até lá vou coleccionando os meus céus, desta mesma cidade que tanto custa e às vezes até inspira.
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